Entrevista com Marcelo Aguiar, o escritor por trás de Clarice Desterro

5 de setembro de 2025

Clarice Desterro trás os medos passados de geração em geração para as páginas da sua nova coletânea de contos.

Marcelo Aguiar ou Clarice Desterro?


Boteco: Pra começar com o pé direito: quem é Clarice Desterro? Como surgiu essa persona literária que assina Mitos e Lendas? Por que escolher um pseudônimo feminino e o que o nome Clarice Desterro representa para você?


Marcelo: Sigo com o pé esquerdo. Clarice Desterro é a fusão de 2 referências. Desterro foi um dos nomes da minha Ilha. Clarice é uma homenagem a minha fonte inspiradora, uma "bruxa" que navega minha imaginação e, como registrado na minha biografia, nasceu pela arte. Representa um eterno amor e foi tão bom, que disseram que devia usar a ideia para escrever um livro. E aí, bom, o resto já sabem.


Boteco: O que diferencia a escrita de Clarice da escrita do Marcelo — se é que existe uma escrita do Marcelo? Você sente que há uma mudança de linguagem, de estilo, ou até de coragem quando escreve como Clarice? Ou você sempre escreve como Clarice e não faz ideia de como seria escrever como Marcelo?


Marcelo: Não existe a escrita de Marcelo, tanto na literatura como em outras formas de arte; pintura, escultura e cerâmica. Clarice escreve, Marcelo lê.


Boteco: A coletânea Mitos e Lendas tem um pé fincado no folclore, mas também traz, em alguns contos, uma oralidade muito marcante, cheia de expressões típicas da Ilha de Santa Catarina. Como foi o processo de incorporar o falar “manezês” à narrativa sem deixar o texto inacessível para quem não é da região?


Marcelo: Sim, um pé no folclore e um pé nas tradições. O falar manezês está na minha comunicação diária, sou manezinho de pé rachado e quero compartilhar essa fonética com meus possíveis leitores. Assim como temos quem escreve com a sonoridade gaúcha, nordestina, cabocla ou sertaneja, tento trazer aqui a minha contemporaneidade linguística.


Boteco: Muitas das lendas contadas no livro vieram de sugestões de colegas da Boteco Editorial. Como foi esse processo coletivo de inspiração? Tem alguma lenda em especial que te surpreendeu ou que você nunca tinha ouvido antes?


Marcelo: Diz o dito "quem conta um ponto, aumenta o conto". A provocação do grupo foi instigante. Nunca tinha ouvido falar do Sanguanel indicado pela Thiane e nem do Bulleback trazido pelo Andre, embora eu acredite que todas as histórias, lendas e mitos, tenham um ponto em comum, ou seja, fazem parte do mesmo processo "bruxólico". Histórias tem pelo mundo inteiro e muitas se conectam.

Quem tem medo da Bernunça?


Boteco: E já que estamos falando de lendas, vamos à pergunta obrigatória: o que é a Bernunça? Ela aparece no seu livro e parece ser uma figura muito enraizada no imaginário local. Como ela chegou até você e por que decidiu incluí-la na coletânea?


Marcelo: A Bernunça ou Bernuncia "é bicho brabo que come tudo que lhe dão" e é típico do folclore catarinense inserido na dança do Boi de Mamão. Teve sua origem no litoral de Itajaí, cidade portuária, e tem um certo mistério sobre sua criação. A quem diga que foi inspirada no dragão chinês dos folguedos populares. Eu adaptei essa origem baseada na mitologia egípcia de uma matéria do escritor Adriano Besen. A semelhança das criaturas Ammit egípcio com a Bernunça é marcante.


Boteco: Os contos da coletânea têm atmosferas muito diferentes — alguns mais sombrios, outros quase poéticos. Você tem um conto preferido dentro do livro? Um que mais te tocou ou que foi mais desafiador de escrever?


Marcelo: Cada um dos contos tem sua particularidade. Não tenho preferência específica, gosto de todos. O desafio, talvez, venha do desconhecimento da matéria. Tanto o Sanguanel como o Bulleback tiveram que passar por um processo de pesquisa que geralmente, por falta de fontes próprias, cai sobre as páginas da Wikipedia. Trazer a narrativa sob um olhar poético faz com que amenize a dramatização perturbadora da história. É como se o susto fosse impactado pela cadência poética da escrita.


Boteco: Seu livro toca em medos que vão além do sobrenatural: há ali também medos humanos, cotidianos, íntimos. Você acredita que o folclore nos ajuda a lidar com esses medos mais profundos? Que função o medo cumpre nas histórias que contamos?


Marcelo: O sobrenatural... como não acredito em deus, logicamente também não acredito em demônios e na maioria das vezes vejo o sobrenatural intrinsecamente envolvido com a religiosidade, culpas e pecados. O medo mais insano, pra mim, é o que está entre nós, no cotidiano, nas amarguras e revés da realidade física. O terror de ser roubado, violentado, atacado, de perder as esperanças, de sofrer por quem amamos, de sermos traídos. Esse é o terror, o obscurecimento psicológico, a maldição da racionalidade. As tradições, o folclore, a mitologia como um todo nasce do desconhecido, do inexplicável e as vezes da manipulação da massa. O medo vem antes, é um emoção latente dos seres vivos e é um instigante para encarar os desafios.


Sobre influências e preferências.


Boteco: Como leitor, quais são os autores e autoras que mais influenciam sua escrita? Você costuma buscar referências no terror clássico, no folclore oral, na literatura brasileira ou em tudo isso junto?


Marcelo: Também não tenho preferências por quem escreve. Leio o que é bom pra mim, o que me entretém e faz pensar. Tudo que leio me influencia, de uma maneira ou de outra. Acredito que ninguém está livre das influências. Minhas referências são o mundo com um todo, independente da provocação.


Boteco: Quando e como o folclore entrou na sua vida? Foi algo que veio desde a infância, ou o interesse surgiu mais tarde, talvez por conta da própria escrita?


Marcelo: O folclore como conceito social veio mais tarde, durante a adolescência tardia. Até então, festas populares, tradições culturais, fantasias e mitos povoavam minha infância naturalmente, nas brincadeiras de criança, entre a família e na escola como atividade pedagógica. Foi através das leituras de Monteiro Lobato que o termo começou a ser conhecido. Hoje já tenho como distinguir a preconceitualidade de Lobato. 


Boteco: Por fim, o que você espera que os leitores sintam ao ler Mitos e Lendas? Medo? Encantamento? Nostalgia? Ou um pouco de cada?


Marcelo: Tudo isso e muito mais. O que eu espero é que as histórias não sigam engessadas, que possamos acrescentar um pouco da nossa vivência imaginativa. Quando escrevi O Projeto Saci, repleto de referências no folclore nacional, quis trazer a minha versão com os elementos literários existentes. Em Mitos e Lendas trafego com o mesmo entusiasmo literário; contar uma história já ouvida acrescentando uma impressão própria da realidade atual; uma releitura. Quero que leiam as histórias e que essas sigam encantando, provocando, informando e entretendo. Que essas e outras histórias não morram, que se avolumem e que se transmutem em outras.

Mitos e Lendas está disponível na loja da Boteco Editorial (impresso) e no site da Amazon (em e-book, gratuito para assinantes do Kindle Unlimited).

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É ASSIM QUE COMEÇA Este não é um texto sobre o livro da CoHo — ou você acha que o Perpétuo sabe quem é Colleen Hoover? O título desta coluna é apenas o que ele é: um anúncio mais do que óbvio de que este é o primeiro boletim do Boteco. Pois aqui está, para você, a nossa newsletter — que é como o povo costuma chamar um bom e velho boletim informativo. Esperamos que gostem das novidades.
Por Andre Braga 8 de dezembro de 2024
Tudo começou com a Erika Lyrio...
Por Andre Braga 17 de novembro de 2024
Como editor-chefe do Boteco Editorial, eu deveria me manter neutro. Deveria dizer que gosto igual de todas as nossas antologias, que não tem filho favorito, essas coisas. Mas sabe o quê? Isso seria uma grande mentira. Eu tenho predileção pelo terror pulp , pelas narrativas escrachadas, pelo absurdo que não serve a outro propósito senão o de ser inexplicável. Essa é a minha formação no gênero, a bem da verdade. Na minha adolescência, lia revistas de terror em quadrinhos, como a Kripta , a Spektro e a Calafrio . Na televisão, tinha Além da Imaginação e, no cinema, não posso deixar de mencionar o icônico A loja dos horrores , que mistura terror e comédia na dose certa. Mais tarde, vieram Arquivo X , Lost! e, mais recentemente, saiu O gabinete de curiosidade de Guillermo del Toro , com o seu imperdível episódio sobre ratos e ladrões de túmulos. Essa é a minha praia. Não por acaso, o conto que mais gostei de escrever na minha carreira até hoje foi Hiperosmia, que está em Boteco Maldito . Mas quando se trata de antologia, da obra completa, da coisa que se encaixa de tal forma que você olha e pensa: "Mas pode isso?"; daí eu não tenho como não preferir Contos de Além-Mar . A mais nova antologia do Boteco Editorial é o mais puro suco do horror do absurdo. Em seus contos, nada precisa fazer sentido e tudo, no fim das contas, se encaixa perfeitamente. Há quem diga que estão todos mortos, e isto aqui não é spoiler . Há quem diga que tudo não passa de um pesadelo, outros afirmam que Pasmaceiras é o inferno ou o purgatório. Todas essas especulações são válidas e nenhuma delas precisa ser verdadeira. Porque, como já dizia o agente Mulder , a verdade está lá fora . O problema é que, em Pasmaceiras, a verdade parece estar lá dentro das mentes das almas que à ilha foram condenadas. Venha ler o nosso horror do absurdo e crie as suas próprias teorias da conspiração.
Por Clarice 17 de novembro de 2024
Um poema de Clarice. Trilhavam caminhos, entre palavras e emoções, Do inferno ao planalto, em meio ao caos e as paixões, Atrás do tempo, com desmedidas ilusões, Por trilhos infernais, considerando as razões. Nobres escritores, almas perdidas, Por onde vem, por onde vão. Sentados em um Boteco Pedindo a conta ao patrão. Ansiavam por contar, escrever, com fé e sangue, Contos noturnos, trevas desmedidas, Vagando como sombras da morte, Preenchendo realidades por linhas perdidas. Nobres escritores, almas perdidas, Por onde vem, por onde vão. Sentados em um Boteco Pedindo a conta ao patrão. Formando grades que nos separam Da eterna dúvida ou da desilusão, Do amor e da guerra entre personagens Com metáforas e macabras intenções.
Por Alvaro Rodrigues 17 de novembro de 2024
Em 2021, nascia a primeira antologia do Boteco Editorial. A origem do “boteco” no Brasil remonta a um passado onde o simples ato de ir a um estabelecimento para comprar produtos essenciais evoluiu para um ritual social mais amplo. A palavra “boteco” é um diminutivo de “botequim”, que por sua vez deriva de “botica”, uma antiga loja de variedades que vendia de tudo um pouco. À medida que o tempo avançava, as boticas começaram a oferecer algo mais para os seus fregueses: aperitivos e bebidas. Esse simples adendo transformou-as em locais de encontro mais informais e acolhedores, especialmente em um período em que muitos bares eram vistos como ambientes impróprios para “homens de família”. As boticas, portanto, assumiram um papel social mais significativo, sendo frequentadas não apenas por necessidade, mas também pelo prazer da companhia e da conversa. Elas se tornaram um ponto de encontro essencial, um espaço onde a vida cotidiana e as relações sociais se entrelaçavam. Um recorte de vida. Nos dias de hoje, o conceito de boteco preserva essa essência de informalidade e proximidade, sendo o lugar ideal para conversas descontraídas e boa companhia. É nesse espírito que surge a Boteco Editorial, uma editora que se propõe a ser a mais nova, irreverente e acolhedora casa da ficção especulativa no Brasil. Assim como os antigos botecos eram o coração pulsante das comunidades locais, a Boteco Editorial pretende ser o núcleo vibrante da criatividade literária.  Nesta nova botica literária, autores, blogueiros e leitores se reúnem para criar e explorar mundos imaginários, construir narrativas inovadoras e celebrar a literatura especulativa com a mesma paixão e camaradagem que caracterizavam os botecos tradicionais. A Boteco Editorial é mais do que uma editora; é um espaço colaborativo e acolhedor onde as ideias fermentam e os sonhos literários ganham vida, refletindo a rica tradição de encontros que começou nas velhas boticas e continua a prosperar hoje. A antologia de estreia da casa não poderia ser outra: Boteco Maldito . Um ambiente deveras soturno, com pegadas Pulp, que eternizou um personagem, que mesmo sem ser protagonista, protagoniza nossa editora: Perpétuo. Reza a lenda que o dono do bar é imortal e que todo o tipo de coisas sinistras acontece em seu estabelecimento. Para entender como nossos autores ofertam os petiscos de horror para seus leitores sóbrios ou ébrios, você precisa garantir essa edição. Um brinde!
Por Erika Lyrio 17 de novembro de 2024
Muito se fala no Brasil sobre amar o período das famosas festas juninas. Pouco se fala sobre sua origem. As festas são uma das tradições culturais mais populares do nosso país , principalmente na região Nordeste, embora sejam celebradas a nível nacional. Elas fazem referência a três santos católicos: São João (24 de junho), Santo Antônio (13 de junho) e São Pedro (29 de junho). A origem dessas festas nos leva de volta às festividades europeias pagãs de celebração do solstício de verão, que foram adaptadas à cultura brasileira com a colonização portuguesa. Sim, meus amigos! Festa pagã, que muito depois começou a ter o conceito atrelado ao catolicismo. As festas juninas são um momento de celebração da cultura popular, das tradições rurais e da religiosidade, unindo pessoas de todas as idades em uma grande comemoração com danças ensaiadas e quitutes sazonais. E nós do Boteco, como amamos um desafio, achamos interessante a ideia de trazer um outro viés desse período tão amado por todos. E foi assim nasceu o nosso São João Macabro . Seus contos cheios de mistério, crimes e situações paranormais, chegaram com tudo para os nossos leitores, mostrando que melhoramos a cada dia em nossos desafios. Se você quer conhecer o que acontece por trás das quadrilhas e panelas canjica, te convidamos a entrar em nosso arraiá.
Por Ingrid Rodrigues 17 de novembro de 2024
An.to.lo.gi.a. s.f.: conjunto formado por diversas obras (literárias, musicais ou cinematográficas, por exemplo) que exploram uma mesma temática, período ou autoria. (Definição do site: Enciclopédia Significados). Antologias sempre foram minha categoria favorita de livros, especialmente quando falamos de terror. Quando fui chamada para ajudar na organização de Patrão, me vê a conta foi um daqueles momentos onde sentimos que é o nosso chamado particular. Anteriormente já havia trabalhado em uma antologia, Rebobine o medo , cinco amigos e eu nos juntamos com ideias, escrita, prompts e etc para montarmos a nossa antologia. Infelizmente ela já está fora de circulação na Amazon. Por que estou falando disso? Bem, organizar uma antologia de forma independente e através de uma editora é bem diferente, não é mais fácil ou mais difícil, é apenas isso: diferente. Do processo de publicação do edital até o lançamento do livro, cada pessoa na diretoria da Boteco ajudou a formar um livro incrível do qual estamos muito orgulhosos. Nos dedicamos para criar uma antologia coesa, com contos diferentes, mas que conseguissem transmitir a ideia inicial que deu o pontapé ao projeto e a editora de certa forma: um boteco e coisas fora do comum. Patrão, me vê a conta é um conjunto de contos excelentes, cada um tratando do mesmo tema a sua maneira, deixamos que o leitor escolha o seu favorito, tem conto pra todo mundo, mas também é formado por todas as pessoas por trás da escolha dos contos, da leitura crítica, da revisão, da organização dos contos, do design de capa, da diagramação e etc. Com o selo PQP (Padrão de Qualidade Perpétuo) de aprovação, convido a todos para que conheçam essa antologia tão especial para todos nós da diretoria. E sempre se lembre de pagar a conta, você não quer dever a coelhos, acredite em mim!
Por Andre Braga 17 de novembro de 2024
Um romance escrito a doze mãos ou uma coletânea de contos que se amarram? Localizada na região central do Brasil, a pequena cidade de Cruz Eterna vive à sombra da serra na qual as trilhas que atraem turistas de todo mundo são envoltas em mistérios, misticismo e histórias sobrenaturais envolvendo criaturas lendárias, cidades perdidas, povos originários antropófagos e até mesmo alienígenas. Próximo ao dia em que seria o fim do mundo, um raio e um terremoto atingem a cidade, e uma dupla de jornalistas determinados, uma família em férias, dois amigos de infância, um grupo de trambiqueiros e um pretenso predestinado vão enfrentar o apocalipse, sem saber se conseguirão contar o que viram e viveram em terras eternenses . Este livro contém temas que podem ser gatilhos para pessoas sensíveis a violência, é indicado para maiores de 14 anos. O que estão achando do livro? Clique nas imagens abaixo para ler algumas das avaliações postadas na Amazon. Onde adquirir E-book na Amazon: clique aqui . Livro físico pela Uiclap: clique aqui .