Entrevista com Ellen Reys, autora de A canção do rio

10 de outubro de 2025

Ellen Reys dá voz e protagonismo às milhares de mulheres injusta e violentamente silenciadas pelo patriarcado.

A canção do rio.


Boteco: Para começar, Ellen, você acabou de lançar A Canção do Rio. Essa obra traz uma força simbólica muito especial: toda a sua preparação — da escrita à publicação — foi feita apenas por mulheres. O que significou para você liderar um projeto com essa característica tão única?


Ellen: A canção do rio é uma história sobre mulheres, sobre gerações de mulheres silenciadas, e eu precisava do olhar e da sensibilidade de mulheres sobre ela, não é uma forma de menosprezar os homens, é um modo de reconhecer nossa força. Para mim significou ter certeza de que eu consegui expressar tudo que queria, de que eu, como mulher e escritora de terror, podia unir o gênero que amo, às histórias que cresci ouvindo e amo mais ainda.


Boteco: A sinopse de A Canção do Rio fala de vingança, justiça e da memória guardada pelas águas. De onde nasceu essa ideia e como você construiu a atmosfera de Pedra do Rio?


Ellen: A ideia nasceu das águas dos rios pelas quais sou cercada. Belém é cercada por rios, eles tem um papel fundamental nas cidades do Pará, na subsistência das cidades e no imaginário popular. Eu queria muito contar a minha versão da Iara, do modo como ela foi transformada em uma encantada, à sua presença nos dias atuais. A atmosfera surgiu de forma natural a partir daí.


Boteco: Seus livros anteriores, como Deusas da Morte e Pelos Meus Olhos, já mostravam personagens intensas e histórias marcadas pela dualidade entre vida e morte. Como você vê a evolução da sua escrita até chegar em A Canção do Rio?


Ellen: Essa é uma boa pergunta, eu li e estudei bastante para chegar no resultado da escrita de A canção do rio, mantendo minhas características e mudando ao mesmo tempo. Acho que consegui um bom resultado.


Uma autora com muita preguiça?


Boteco: Você costuma brincar dizendo que tem “preguiça de escrever”, mas aparece sempre com um livro novo pronto. Como é o seu processo criativo? Existe um ritual, ou a história simplesmente insiste até você colocá-la no papel?


Ellen: Tenho mesmo. Mas tenho tantas ideias quanto preguiça. Eu não tinha processo nenhum, acho que por isso preferia escrever contos, eu definia o início e o final e daí era escrever. Mas com Pelos meus olhos, passei a fazer, não uma escaleta, mas uma premissa e estrutura preliminar, aí fica mais fácil, claro, seguir sem sair do rumo. Meu problema é a continuidade, é onde a preguiça entra. Aí eu tiro uma semana pra me dedicar, mais ou menos assim. E ás vezes uma história passa na frente da outra mesmo.


Boteco: Dentro da Boteco Editorial, você tem um papel central — muitos diriam que é você quem manda, mesmo que insista que o editor-chefe é o Andre Braga. Como equilibra essa posição de liderança com a sua própria produção como autora?


Ellen: O boss sempre será o Andre rsrsrsrsrsr. Esse ano, eu decidi me dedicar mais à Boteco, e ainda assim, não sinto que tenha me atrapalhado como autora. Tem sido um desafio muito bom de vencer, dia-a-dia, com o apoio de todos da Boteco.


Boteco: Olhando para o mercado editorial brasileiro, você acredita que ainda há espaço para editoras independentes desafiarem os padrões? Qual o papel da Boteco nesse cenário e o que vocês buscam construir como legado?


Ellen: Acredito que sim, embora não seja fácil. A Boteco tem o propósito de publicar autores de ficção especulativa que, por não terem projeção, não teriam chance em editoras tradicionais grandes. Sabemos que qualidade publicação, então buscamos dar essa oportunidade. Aos poucos vamos construindo nosso lugar, e sem competições, pois não foi para isso que criamos a Boteco.


De volta ao rio.


Boteco: Um ponto muito forte em A Canção do Rio é a ideia de memória coletiva e de segredos que retornam. Você acredita que a literatura brasileira atual também está passando por um processo de resgate de memórias e de histórias silenciadas?


Ellen: Está passando? Não tenho certeza se sim, acho que está ficando cada vez mais claro, que as histórias carregam sempre uma parte de memórias coletivas, que nunca foram caladas ou que até então, foram silenciadas. Escrever sobre mitos, lendas e seres sobrenaturais brasileiros, está deixando de ser literatura folclórica (não gosto desse termo, muito menos do regional) e está passando a ser visto como o que é, terror, ficção-científica, drama, romance... Por que é fácil rotular nossa identidade cultural e tratar histórias sobre wendigos e outras criaturas, ou lugares estrangeiros, diferente? Acho que esse resgate é mais do que necessário.


Boteco: Qual foi o maior desafio em escrever A Canção do Rio? Houve algum momento em que você pensou em desistir da história?


Ellen: Ah, eu já tinha desistido. A ideia nasceu em 2023, o prólogo do livro foi publicado em um post e esquecido. Eu achava que não conseguiria contar a história como eu realmente queria. O livro teve umas cinco versões até chegar na final, até poderia ter outras versões, ficar mais refinado... Mas eu fiquei satisfeita, bom ou não, me orgulho muito do resultado final.


Boteco: Para além da literatura de terror, quais temas e autores te inspiram hoje?


Ellen: Eu tenho gostado muito de ler suspense, distopias... Autores que abordam temas atuais, mesmo em gêneros diversos, me inspiram, para mim, como leitora, não há como separar os problemas que vivemos do que é escrito, não gosto de autores que subestimam o leitor.


Boteco:
Para fechar: você é uma autora que já lançou obras marcantes e agora traz um projeto tão simbólico. O que podemos esperar de Ellen Reys daqui para frente — mais preguiça ou mais histórias surpreendentes?


Ellen:
Mais preguiça e com ela, mais histórias. Não sei bem em que ponto surpreendentes, não tenho grandes pretensões além de contar o que gostaria de ler, mas tenho me aventurado por outros gêneros, se vou publicar ou não, aí é uma questão que até daria uma boa história.

A canção do rio está disponível na loja da Boteco Editorial (impresso) e no site da Amazon (em e-book, gratuito para assinantes do Kindle Unlimited).

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Em 2021, nascia a primeira antologia do Boteco Editorial. A origem do “boteco” no Brasil remonta a um passado onde o simples ato de ir a um estabelecimento para comprar produtos essenciais evoluiu para um ritual social mais amplo. A palavra “boteco” é um diminutivo de “botequim”, que por sua vez deriva de “botica”, uma antiga loja de variedades que vendia de tudo um pouco. À medida que o tempo avançava, as boticas começaram a oferecer algo mais para os seus fregueses: aperitivos e bebidas. Esse simples adendo transformou-as em locais de encontro mais informais e acolhedores, especialmente em um período em que muitos bares eram vistos como ambientes impróprios para “homens de família”. As boticas, portanto, assumiram um papel social mais significativo, sendo frequentadas não apenas por necessidade, mas também pelo prazer da companhia e da conversa. Elas se tornaram um ponto de encontro essencial, um espaço onde a vida cotidiana e as relações sociais se entrelaçavam. Um recorte de vida. Nos dias de hoje, o conceito de boteco preserva essa essência de informalidade e proximidade, sendo o lugar ideal para conversas descontraídas e boa companhia. É nesse espírito que surge a Boteco Editorial, uma editora que se propõe a ser a mais nova, irreverente e acolhedora casa da ficção especulativa no Brasil. Assim como os antigos botecos eram o coração pulsante das comunidades locais, a Boteco Editorial pretende ser o núcleo vibrante da criatividade literária.  Nesta nova botica literária, autores, blogueiros e leitores se reúnem para criar e explorar mundos imaginários, construir narrativas inovadoras e celebrar a literatura especulativa com a mesma paixão e camaradagem que caracterizavam os botecos tradicionais. A Boteco Editorial é mais do que uma editora; é um espaço colaborativo e acolhedor onde as ideias fermentam e os sonhos literários ganham vida, refletindo a rica tradição de encontros que começou nas velhas boticas e continua a prosperar hoje. A antologia de estreia da casa não poderia ser outra: Boteco Maldito . Um ambiente deveras soturno, com pegadas Pulp, que eternizou um personagem, que mesmo sem ser protagonista, protagoniza nossa editora: Perpétuo. Reza a lenda que o dono do bar é imortal e que todo o tipo de coisas sinistras acontece em seu estabelecimento. Para entender como nossos autores ofertam os petiscos de horror para seus leitores sóbrios ou ébrios, você precisa garantir essa edição. Um brinde!
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